Redação Enem: domínio da escrita vai além de não cometer erros
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Redação Enem: domínio da escrita vai além de não cometer erros

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Nota máxima na redação do Enem: é o sonho de todo candidato. Significa turbinar o resultado e, provavelmente, entrar numa faculdade de excelência. Como alcançar essa meta? Ora, é necessário garantir os 200 pontos em cada um dos cinco itens avaliados separadamente e somados para gerar a nota final. Muitos estudantes não dão a devida importância ao critério número 1 de correção, que avalia se o candidato demonstra domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa. Pensam que se trata, simplesmente, de não cometer erros de ortografia. Então, quando analisam o espelho da redação, não entendem uma nota baixa dada a um texto sem nenhuma palavra incorreta, ou se surpreendem ao ver que redações com um ou outro erro alcançam nota mil. Isso acontece porque o item que julga o domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa vai muito além da mera ortografia. Vamos analisar uma das poucas redações que alcançaram nota mil no Enem 2015, que você pode ler aqui. O autor é Richard Wagner Caputo Neves. Desvendaremos os passos que ele seguiu para atender plenamente ao critério de avaliação. 1. O candidato usou a pontuação para dar mais ênfase e expressividade ao texto Começaremos analisando a primeira frase da redação: Desde o Iluminismo, já sabemos – ou deveríamos saber – que uma sociedade só progride quando um se mobiliza com o problema do outro. Veja como o autor utilizou a pontuação a favor do que pretendia expressar: destacou um pensamento entre travessões, conseguindo dar ênfase à crítica que apresentaria. É como se dissesse: sabemos, mas, pelo que se vê na prática, parece que não sabemos. Se ele usasse a linguagem informal para dizer o mesmo, como, por exemplo, a linguagem da Internet, diria: Sabemos #sqn. É como os internautas expressam a mesma ironia (sabemos, só que não). Na prova de redação, o uso de termos dessa linguagem seria inadequado, assim como qualquer outro registro típico da oralidade. Outro trecho interessante aparece a seguir: (...) ainda que leis como a “Maria da Penha” tenham contribuído bastante para o crescimento do número de denúncias relacionadas à violência – física, moral, psicológica, sexual – contra a mulher, ainda se faz presente uma limitação. O candidato, mais uma vez, usou bem o travessão, neste caso com outra finalidade: a de detalhar, exemplificar, oferecer uma série de situações ilustrativas do que está relatando. 2. O candidato se valeu de termos que dão um tom formal à abordagem Analisemos este outro trecho: Em outros casos, fora do âmbito familiar, são instrumentos da perpetuação da violência o medo de uma retaliação do agressor e a “vergonha social”, o que desestimula a busca por justiça e por direitos, peças-chave na manutenção de qualquer democracia. Note o uso de termos que dão um tom mais formal ao texto: - Âmbito familiar (em vez de simplesmente “dentro da família”); - Perpetuação (em vez de termos mais óbvios, como “continuação” ou “manutenção”); - Retaliação (termo adequado para expressar de forma exata o que o autor quis dizer, ou seja, o ato de reagir a uma agressão com outra ação semelhante). Em outro trecho, o autor disse: “A mídia, por meio de ficções engajadas, deve abordar a questão instigando mais denúncias – cumprindo, assim, o seu importante papel social.” Ele poderia ter falado simplesmente de “novelas e filmes com crítica social”, mas o termo “ficções engajadas” deu um toque original, além de evitar a repetição do termo “social”. 3. O candidato domina as relações entre as estruturas sintáticas O autor também soube trabalhar com a inversão de sujeito e predicado.Nesta oração, por exemplo, ele preferiu começar com o predicado: “são instrumentos da perpetuação da violência o medo de uma retaliação do agressor e a vergonha social”. O sujeito composto: “o medo de uma retaliação do agressor e a vergonha social” aparece somente no final da oração. Em outra frase, ele escreveu: “No entanto, quando se observa a persistência da violência contra a mulher no Brasil em pleno século XXI, percebe-se que esse ideal iluminista é verificado na teoria e não desejavelmente na prática.”O autor optou, em “percebe-se”, pelo uso do sujeito indeterminado, que atendeu bem o propósito de generalizar (indicando que todos percebem) e de não usar a primeira pessoa do singular (“percebo”), que seria inadequada para um texto dissertativo-argumentativo. 4. Nota-se domínio da concordância e das regências verbal e nominal Em “o que desestimula a busca por justiça e por direitos, peças-chave na manutenção de qualquer democracia”,perceba a concordância nominal usada corretamente com o substantivo composto “peças-chave”, optando-se pelo plural (pois refere-se a “justiça” e “direitos”). Além disso, no título “Da teoria à prática”, o candidato empregou corretamente a crase, já que, de acordo com as regras de regência, havia necessidade de contração da preposição “a” (ir a algum lugar) com o artigo “a”, de “a prática”. Em outro trecho, o autor escreveu: “A escola, instituição formadora de valores, junto às Ong's, deve promover palestras a pais e alunos que discutam essa situação de maneira clara e eficaz.” O emprego da crase foi mais uma vez correto, já que se deu a contração da preposição “a” (junto a alguém) com o artigo definido “a”, flexionado no plural (as ONG’s). 5. O candidato domina a flexão dos verbos, inclusive irregulares Veja este trecho, por exemplo: Muitos importantes passos já foram dados na tentativa de se reverter esse quadro. Entretanto, para que seja conquistada uma convivência realmente democrática, hão de ser analisadas as verdadeiras causas desse mal. É bastante comum que os candidatos errem no uso do verbo “haver”, por pensarem que nunca pode ser conjugado no plural. Porém, a flexão usada nesta redação foi correta, pois o verbo foi empregado como auxiliar numa locução verbal (hão de ser analisadas), que, por sua vez, ligava-se a um termo no plural: “as verdadeiras causas desse mal”. 6. O candidato evitou repetições e mostrou que sabe lidar com os sentidos das palavras O belo parágrafo que segue ajuda a ilustrar isso: Esse errôneo enraizamento moral se comunica com a continuidade da suposta “diminuição” da figura feminina, o que eventualmente acarreta a manutenção de práticas de violência das mais variadas naturezas. A patriarcal cultura verde-amarela, durante muitos anos, foi de encontro aos princípios do Iluminismo e da Revolução Francesa: nesse contexto, é fundamental a reforma de valores da sociedade civil. Podemos perceber a opção consciente do uso de “figura feminina” para evitar a repetição do termo “mulher”, que já aparecera, e da expressão “cultura verde-amarela” para evitar mencionar novamente de “Brasil”, “brasileira” ou “do país”. Além disso, ao falar de suposta “diminuição”da figura feminina e colocar o termo entre aspas, o autor consegue deixar clara, de forma implícita e sutil, sua posição: para ele, a mulher não é inferior, mas ele conseguiu expressar isso sem dizê-lo, o que dá ao leitor a possibilidade de desvendar os sentidos e traçar as próprias visões. Como acabamos de ver, o primeiro critério de correção da redação do Enem, que trata do uso da linguagem escrita, abrange mais do que a ortografia. Fica a dica: ler e escrever muito são práticas que ajudam a ter a mesma intimidade com a linguagem que este candidato nota mil demonstrou aqui. Bom estudo!
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